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DENTRO DA MÍDIA E LONGE DOS AUTOS

Foto Ag.Brasil


Por Dr. Wilson Campos


Os cidadãos brasileiros estranham e se indignam com a exagerada e rotineira aparição midiática daqueles que deveriam preservar o direito de não conceder entrevistas, mas de tão somente falar nos autos.


Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são os titulares da incontestável afirmação do parágrafo anterior. Gostam de estar nas primeiras páginas dos jornais. Fazem de tudo para criar polêmica em torno de temas que não são de sua alçada. Concedem entrevistas controversas no Brasil e no exterior, como se isso não agredisse os magistrados que pensam de forma diferente. Desafiam o Presidente da República, publicamente, desviando o foco das questões ordinárias do tribunal. Violam prerrogativas, funções e competências dos Poderes Executivo e Legislativo. Interpretam a Constituição Federal ao seu bel-prazer e causam assombro à maioria esmagadora da sociedade.

Ao contrário de outras Supremas Cortes, internacionais, a brasileira opta por falar fora dos autos, tratar de política, praticar o ativismo judicial escancarado e jogar para a plateia. Enquanto isso, milhares de processos esperam por julgamentos e decisões. Ou seja, o guardião da Constituição brasileira dedica muito tempo à imprensa e se esquece da sua missão. E os brasileiros, cada vez mais indignados com a situação, reclamam do processo de escolha dos ministros, que deveria ser isolado de interferências políticas indevidas. Mas é nisso que dá ser sabatinado por um Senado medroso e na sua maioria comprometido.

Quem não se lembra dessas medidas do STF, que escandalizaram o país? Vejamos:

Em março de 2021, o ministro do STF, Edson Fachin, anulou todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela Justiça Federal do Paraná relacionadas às investigações da Operação Lava Jato (casos do tríplex do Guarujá, do sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, e da sede e de doações do Instituto Lula). Com a decisão, Lula recuperou os direitos políticos e voltou a ser elegível. Fachin também determinou que os autos fossem remetidos à Justiça do Distrito Federal. Relator da Lava Jato no STF, Fachin entendeu que a 13ª Vara Federal não era competente para julgar e processar o petista e que ela “não era o juiz natural dos casos”. No despacho, o ministro explicou que a decisão foi baseada na jurisprudência consolidada pela Segunda Turma do STF sobre a competência da 13ª Vara Federal em Curitiba sobre casos semelhantes ao do ex-presidente.


O ministro Fachin alegou à época: “Especificamente em relação a outros agentes políticos que o Ministério Público acusou de adotar um modus operandi semelhante ao que teria sido adotado pelo ex-presidente, a Segunda Turma tem deslocado o feito para a Justiça Federal do Distrito Federal. Apesar de vencido diversas vezes quanto ao tema, o relator, tendo em consideração a evolução da matéria na 2ª Turma em casos semelhantes, entendeu que deve ser aplicado ao ex-presidente da República o mesmo entendimento, reconhecendo-se que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o juiz natural dos casos”.

Apesar do absurdo entendimento do ministro Edson Fachin, que tornou livre um condenado e ainda possibilitou que ele se transformasse em político elegível novamente, a pior parte ficou por conta do estardalhaço na mídia, principalmente vindo da velha imprensa, que deu destaque no Brasil e no mundo a respeito da “bomba” desarmada por um juiz indicado pelo partido do ex-presidiário Lula.

Diante do inusitado e do incompreensível aos olhos do povo brasileiro, os ministros do STF viveram dias, semanas e meses sob as luzes da “mágica” de como inocentar um culpado, julgado e condenado, em decisão que conflitou o mundo jurídico, causou espécie a juízes idôneos de tribunais superiores e provocou náuseas na sociedade cidadã. A mídia elegeu a Suprema Corte como a maior responsável pela estrondosa venda de jornais, intermináveis entrevistas em redes de televisão, fantásticos noticiários em rádios e forte repercussão nas redes sociais. Os ministros do STF se deleitaram com tamanha publicidade, ficaram envaidecidos, mas envergonharam o tradicional Poder Judiciário, notadamente a parcela mais afeita à reserva de falar somente nos autos ou se manifestar quando estritamente necessário.

A anulação das condenações de Lula não foi a única que arrepiou o cabelo dos brasileiros, uma vez que outras medidas adotadas pelo STF causaram furor e repulsa. Vejamos: a) as prisões do deputado federal Daniel Silveira e do ex-deputado federal Roberto Jefferson; b) o pedido de prisão do jornalista Allan dos Santos; c) o pedido de regulação das mídias sociais; d) a declaração de que o Brasil vive um “semipresidencialismo”, com um controle de poder moderador hoje exercido pelo STF; e) a decisão cobrando uso de passaporte de vacina, na contramão do recomendado em portaria pelo governo federal; f) o inquérito das fake news aberto de ofício; g) os embates de ministros com o procurador-geral da República; h) desdenhar do abaixo-assinado da população com pedidos de impeachment de ministros da Corte; i) dizer que a internet deu voz aos imbecis; j) retrucar que “cala a boca já morreu” e praticar a censura à livre expressão; k) propalar sem provas que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral; l) afirmar que o governo federal foi responsável pelo aumento do número de infectados e mortos na pandemia; m) adotar posição político-partidária e violar princípios, colaborando para a desordem e para a insegurança jurídica; n) criticar a Lei da Ficha Limpa e afirmar que ela é casuística e feita por bêbados; o) ser ao mesmo tempo investigador, delegado de polícia, promotor de justiça, juiz e relator de um caso concreto; entre tantas outras aberrações.

Note-se que nenhuma das medidas acima mereceu decisão colegiada, com voto robustamente arguido nos autos. Algumas das medidas foram monocráticas, pessoais, de fígado, viscerais e não cerebrais, e há quem diga que por perseguição política, abuso de poder e abuso de autoridade de certos ministros feridos nas suas endeusadas vaidades e atingidos nos seus egos inflados de seres acima do bem e do mal. Aliás, repercute a máxima de que muitos ministros do STF preferem estar dentro da mídia e longe dos autos. Um contrassenso.

Vale considerar mais uma vez a menção de que juízes devem falar nos autos, mas não de maneira absoluta, porquanto a fala moderada seja aceitável, ainda mais porque a sociedade não deseja um juiz recluso no tribunal e mudo para o povo, mas um juiz imparcial e de linguagem acessível às pessoas, que respeite as prerrogativas dos demais Poderes, que não incorra em ativismos judiciais e muito menos emita declarações públicas sobre política e ou interfira na seara do Legislativo e do Executivo.

A rigor, não se trata de proibir o magistrado de falar fora dos autos. Ora, o que acontece hoje no Brasil é um exagero verborrágico de ministros do STF, que estão sempre na mídia e falando diariamente sobre questões políticas e outras de estrita competência do Congresso ou do Presidente da República. Portanto, não se trata de proibir o juiz de se manifestar perante a sociedade, mas se trata de equilibrar a ética e a conduta, posto que o juiz, o magistrado, o ministro, tem o dever constitucional de medir suas palavras e atos. Assim como os jornalistas devem ter limites morais na informação, os juízes têm a obrigação de informar e a liberdade de falar, sem violar as regras de conduta da magistratura ou provocar a ira da população.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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