Redução de salário dos professores municipais gera polêmica com PBH
“O foco do meu trabalho era como oferecer uma educação de qualidade durante a pandemia, agora passou a ser como irei pagar as minhas contas a partir do próximo mês”. O desabafo é do professor Paulo Roberto Sette Câmara, e foi feito durante audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (23/7), pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo. O encontro, solicitado pelo vereador Pedro Bueno (Cidadania), teve o objetivo de debater os impactos na carreira do servidor público municipal do corte, sem prévio aviso, da extensão de jornada de professores da Rede Municipal de Educação de BH, bem como suas consequências no orçamento familiar, durante o período de pandemia da Covid-19. Professores, diretores e entidades sindicais denunciaram também o corte do vale-alimentação dos servidores terceirizados e a pressão, por parte da Secretaria Municipal de Educação (Smed) para o retorno à atividade presencial dos Assistentes de Educação, a partir do mês de agosto.
Sem externsão de jornada; salários reduzidos
Além de Paulo Roberto, que ministra aulas de matemática e xadrez, e teve seu salário reduzido em cerca de 50%, em função dos cortes feitos pela PBH, diversos outros professores participaram da audiência por meio do formulário eletrônico disponibilizado no Portal CMBH (foram 26 participações). Embora chamada a participar, por meio de convites enviados aos titulares da Smed e da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, a Prefeitura não enviou representantes.
Além de precisarem lidar com o desafio do teletrabalho, os professores da rede municipal de ensino têm agora mais uma preocupação – a possibilidade real de redução de seus salários em função dos cortes que vem sendo feitos pela Prefeitura nos contratos de extensão de jornada, que são dobras realizadas por professores da rede.
Acordadas no início do ano letivo e com fim previsto para dezembro do mesmo ano, a dobra (regência compartilhada) está prevista na Portaria 275/2015 da Smed, e tem como objetivo suprir a demanda da complexibilidade da comunidade local, atuando em casos de vulnerabilidade social, violência, além do atendimento domiciliar de crianças adoecidas, impossibilitadas de frequentar a escola, como é o caso de alunos em tratamento contra o câncer e leucemia.
Segundo a diretora do Departamento de Formação Pedagógica e Sindical do Sind-Rede, Evangely Rodrigues, no início da pandemia o prefeito Alexandre Kalil garantiu que não haveria cortes para o funcionalismo, e agora a Smed alega que os cortes são de docentes que estariam sobrando na escola, o que, segundo a diretora, não é verdade. “Ninguém sobra na escola. Primeira coisa é que falta! Faltam professores para desenvolverem os projetos. A população acompanha ano a ano a gente fazendo greve para diminuir o número de alunos por professor. Quem está perdendo é a criança. A gente tem um corte severo que tem a ver com a vida financeira das professoras, mas que também tem a ver com a demanda daquela comunidade para atender as suas especificidades”, explicou a diretora, que disse também que o Ministério Público Estadual, por meio da Promotoria de Defesa da Educação, já foi oficiado acerca do assunto no último dia 8 de julho; e que este se comprometeu a mediar um diálogo junto a Prefeitura.
Cobrança retroativa, fechamento de turmas e adoecimento
E enquanto o diálogo não se estabelece, os cortes seguem acontecendo. Só na Regional Venda Nova já foram contabilizados 16 cancelamentos de dobras, e a preocupação dos docentes agora é que a Prefeitura está iniciando a cobrança da dobra paga nos meses de abril, maio e junho; período em que os servidores dizem que estavam em regime de sobreaviso ou já em teletrabalho.
Kátia Dias é diretora da Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, na mesma regional, e conta que a unidade já está em sua décima primeira semana de atividades remotas. Segundo Dias, sua escola foi afetada com a suspensão de duas dobras atingindo professores em plena atividade, um na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e outro que realizava atendimento domiciliar. Ainda segundo a diretora, as orientações da Smed têm chegado apenas por telefone e nem ofícios há sobre as deliberações. “Na semana passada veio por WhatsApp a determinação para o fechamento de duas turmas. Eu mandei um e-mail dizendo que eu não ia fazer a não ser que viesse uma determinação por escrito. E se eu fecho, quando voltarmos não consigo atender a comunidade, porque eu vou perder três professores. E eu não tenho como eu colocar mais de 25 alunos por turma”, argumentou.
De acordo com a diretora, todo este cenário tem gerado apreensão, relatos de depressão e adoecimento entre os professores. Para Dias, que aponta também dificuldade em conseguir auxílio para problemas estruturais da unidade, a Prefeitura tem exigido um trabalho profissional por parte dos servidores, porém não tem agido com respeito aos trabalhadores.
Ausência de diálogo, sobreaviso e teletrabalho
A apreensão é acompanhada também de surpresa entre diretores e professores, uma vez que a maioria dos docentes já estava em regime de teletrabalho. Sandra Maria Coelho é professora e integrante do Conselho Municipal de Educação, e conta que logo nas primeiras semanas da suspensão das aulas a Smed colocou todos os servidores em regime de sobreaviso. Segundo Coelho, neste período, a expectativa era de que a PBH instalasse algum diálogo que pudesse debater a situação da educação na cidade, porém após mais de dois meses, nenhum canal de interlocução foi criado. “Mesmo com a insistência do SindRede enviando ofícios, solicitando esclarecimentos, pedindo uma mesa, ainda que fosse virtual, ficamos à margem, e ela (PBH) começou a praticar algumas ações políticas e administrativas atingindo os mais frágeis”, explicou a professora, lembrando os cortes de vales-alimentação dos terceirizados.
Ainda segundo Coelho, a mudança do regime de sobreaviso para o teletrabalho é também mais uma ação unilateral da Smed e novamente não houve nenhum investimento em diálogo. “Ela fez isso sozinha, não conversou com o SindRede e pelos relatos, não conversou com a direção (das escolas). Fez uma fala em uma live, com orientações vagas no sentido de entender que cada escola faria do seu jeito”, afirmou a professora, que lembrou que a autonomia da escola é importante, mas que algumas orientações precisam ser iguais para todos.
Sobre os cortes das dobras, Coelho lembrou que estes contratos foram feitos no início do ano letivo e que os servidores organizaram seu orçamento a partir destes valores acordados. Para a conselheira, o município não é uma empresa que simplesmente desliga seu funcionário e o prefeito não pode agir como o dono de uma empresa privada. “As pessoas fizeram um planejamento familiar com aquele orçamento. Qualquer salário de um servidor com a nossa formação é mais vantajoso que o nosso. Então apelamos para a humanidade. Esperamos que ele seja um prefeito que cuide da cidade e dos seus trabalhadores”, observou.
Formulário eletrônico e encaminhamentos
Além dos depoimentos das servidoras Kátia Dias e Sandra Coelho, diversos professores participaram da audiência pública, enviando perguntas e sugestões por meio do formulário eletrônico. Recém-criada, a ferramenta possibilita a cidadãos interessados e integrantes de associações e movimentos sociais a oportunidade de manifestar seus posicionamentos e demandas referentes às questões debatidas. Todas as questões enviadas pelos participantes serão analisadas pelas assessorias dos parlamentares e apresentadas para a Comissão, que buscará respostas junto ao Executivo.
Requerente da audiência, o vereador Pedro Bueno em vários momentos do debate considerou como grave as denúncias apresentadas. Segundo o parlamentar, esta instabilidade emocional é ruim para os servidores, pois estes já terão que lidar com crianças marcadas por um longo período de isolamento. Pedro Bueno também lamentou o não comparecimento de representantes da Prefeitura, e lembrou que está em curso na Casa um procedimento administrativo em relação às constantes faltas de respostas aos requerimentos de informação enviados pela Câmara ao Executivo. “É absurdamente contestável a não participação da Prefeitura neste debate. É a falta de empatia sendo expressa pelo governo. Nossas ações não irão parar por aqui. Até o prefeito enxergar a arbitrariedade que está cometendo contra os servidores. Saímos desta audiência com sede de fazer justiça”, finalizou.
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