SERRA DO CURRAL COMPLETA 64 ANOS E AINDA SOFRE COM A GANÂNCIA
Foto EBC
Por Dr. Wilson Campos
O escorço histórico do maior patrimônio turístico, paisagístico, natural e cultural da cidade de Belo Horizonte começa no ato de grandeza administrativa do governador Bias Fortes, que, em 17 de dezembro de 1958, solicitou ao ministro da Educação o tombamento da Serra do Curral.
O ofício nº 2.018/58 do governador seguiu apenso ao parecer do assistente jurídico José Mesquita Lara, que fundamentou o pedido manifestando a preocupação do governo do estado com as atividades mineradoras, consideradas capazes de causar a extinção do monumento conhecido como Serra do Curral.
A argumentação do parecerista foi no sentido de que, in verbis: “Não pairam dúvidas sobre a possibilidade do tombamento da aludida serra; os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens são suceptíveis de tal medida, quando dotadas pela natureza de uma feição notável e inconfundível. Será desnecessário que nos percamos em considerações estéticas para acentuar a beleza da Serra do Curral, com sua silhueta inconfundível e bem característica, tão ligada à nossa capital”.
Superadas as diligências de praxe, ocorridas em 1959, o processo de tombamento nº 591-T-58 seguiu os trâmites legais. No dia 21 de setembro de 1960, os atos da inscrição nº 29, registrados às fls. 8, do Livro de Tombo nº 1 (arqueológico, etnográfico e paisagístico), consagraram o tombamento do conjunto paisagístico do pico e da parte mais alcantilada da Serra do Curral. A proteção do patrimônio histórico estava assegurada em âmbito federal.
Em 1969, a Companhia Urbanizadora da Serra do Curral (Ciurbe), empresa controlada pelo estado de Minas Gerais, deu início à implantação da chamada "Cidade da Serra". No entanto, a urbanização foi concluída por sua sucessora, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais (Codeurb) e os projetos de parcelamento foram aprovados pela Prefeitura de Belo Horizonte em 1973, por meio dos decretos 2.317 e 2.383, sob a denominação de Bairro das Mangabeiras.
Em 1973, o governador Rondon Pacheco, preocupado com a integridade do bem tombado, determinou a constituição de uma comissão especial para avaliar as atividades de mineração na Serra do Curral. A área tombada foi, então, nesse momento, rigorosamente demarcada pelo Instituto de Geo-Ciências Aplicadas (IGA), sob o acompanhamento da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), que iniciou os procedimentos de vistoria no Bairro das Mangabeiras e solicitou à Codeurb que promovesse junto ao estado e à prefeitura algumas alterações nos decretos de aprovação, visando adequar as normas específicas de edificações às condições de conveniência e interesse da preservação da paisagem tombada, entre elas, a de considerar non aedificandi todos os terrenos situados acima do Anel da Serra (atual Avenida José do Patrocínio Pontes).
Apesar da proibição de edificar e dos cuidados das autoridades citadas, que sempre buscaram a proteção e a preservação da Serra do Curral, a Lei Municipal nº 10.630, de 5 de julho de 2013, alterou a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo e estabeleceu novos parâmetros urbanísticos, com o intuito de promover a construção de empreendimentos na cidade, inclusive em zonas de proteção ambiental.
Ou seja, a nova lei feriu de morte a extensão tombada da encosta da Serra do Curral e colocou em risco iminente todo o maciço, o paredão, o entorno, os mirantes, as trilhas ecológicas, a travessia da serra, o Parque das Mangabeiras, o Parque da Serra do Curral e o corredor ecológico que se estende da Mata da Baleia até o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, passando pela área do futuro parque da Lagoa Seca e pela Estação do Cercadinho. Restou evidente a grave ameaça às montanhas, às nascentes, à flora, à fauna, à paisagem e ao patrimônio histórico tombado.
A ilegalidade contra a Serra do Curral prosseguiu à guisa da vontade dos governos municipal e estadual, que trabalharam pela mudança da legislação e beneficiaram empreendedores da construção civil e da mineração. Nos últimos anos, o município autorizou a construção de um hospital geral na fachada da Serra do Curral, apesar das restrições do tombamento federal, e o estado concedeu licença para novas atividades de mineração, desta vez para um projeto que prevê a extração de 31 milhões de toneladas de minério de ferro ao longo de 13 anos em uma área de 102 hectares na Serra do Curral. Isso, para dizer o mínimo.
O declínio da Serra do Curral resta desenhado e assinado por governantes municipais e estaduais. Se antes, há décadas, havia maior respeito com a Serra do Curral, ultimamente tudo é resolvido a toque de caixa, e o poder público faz vista grossa à devastação ambiental, acata a vontade dos empreendedores e ignora os reclamos da sociedade.
Como já mencionado, o governo de Minas Gerais resolveu autorizar novas e gigantescas atividades por grandes períodos de mineração na Serra do Curral, além das já existentes, que estão transformando a área natural e ambiental em um verdadeiro queijo suíço.
O declínio da Serra do Curral continua, pois, recentemente, a população de Belo Horizonte foi mais uma vez acintosamente desrespeitada nos seus direitos e interesses coletivos, desta feita pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), que aprovou na madrugada do dia 30/04/2022, por oito votos a favor e quatro contrários, o licenciamento total do Complexo Minerário Serra do Taquaril, que vai explorar a Serra do Curral.
Vale reiterar que se trata de projeto minerário que pretende extrair 31 milhões de toneladas de minério de ferro ao longo de 13 anos em uma área de 102 hectares na Serra do Curral, na região metropolitana de Belo Horizonte. Daí compreender que a devastação ambiental será grande e a degradação não será compensada, como sempre acontece.
A pior parte envolve o fato de que o complexo minerário inclui lavra a céu aberto, unidade de tratamento de minerais a seco e úmido, pilhas de rejeito estéril, estradas internas, bacias de contenção de sedimentos, estrutura administrativa, e a circulação incessante de máquinas e caminhões pesados no local.
Uma observação que se faz é que antes as coisas eram feitas com mais critério e pensando mais na população, mas hoje tudo é resolvido no interesse do vil metal e na troca de moedas, sem escutar a sociedade e dando voz apenas ao poder público e aos empreendedores, que simplesmente desrespeitam e contrariam a vontade popular.
Todavia, em suma, se faltam sensibilidade e vontade política para o tombamento integral da Serra do Curral e para a proibição geral de quaisquer obras, construções ou atividades de mineração no entorno, na encosta e ao longo de toda a área da serra, que a população então se levante e enfrente todos aqueles que se colocarem contra os interesses da coletividade, contra o monumento paisagístico, contra a área de proteção ambiental de singular importância para Belo Horizonte e cidades circunvizinhas ou contra qualquer parcela da Serra do Curral. Ora, cidadania é também defender e preservar o meio ambiente para esta e para as gerações vindouras.
Por fim, independentemente de critérios técnicos alegados para autorizar a exploração de minério de ferro na Serra do Curral, que contribui para um declínio ainda maior da área, o critério que deve prosperar é o que represente o interesse da população das cidades do entorno do símbolo paisagístico, natural e cultural. A rigor, a maioria esmagadora da população é pelo tombamento estadual e pela preservação integral. Cumpra-se a vontade popular. E ponto final.
Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).
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