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TRIBUTAÇÃO DAS GRANDES FORTUNAS

Arte CSPB.ORG



Por Dr. Wilson Campos

Em 6 de novembro de 2020 publiquei neste blog um artigo sob o título: “Imposto sobre grandes fortunas em razão da pandemia. Uma visão político-social emergente”.

O artigo mereceu comentários e manifestações de vários setores, com destaque para os e-mails que se dividiam nas opiniões de que: 1)deveria ser criado um imposto com alíquotas entre 0,5 e 5%, ou 0,4 e 1,0%, ou 0,5 e 1,25%, ou conforme o patrimônio do contribuinte; 2) não deveria existir imposto para as grandes fortunas, pois o risco de fuga de capital seria grande.

Como visto, de fato, o tema divide opiniões. Ademais, trata-se de um assunto que está há 34 anos na gaveta do Congresso brasileiro, embora de vez em quando reapareça, como ocorreu nestes tempos difíceis da pandemia. Mas não se engane, a taxação das grandes fortunas depende de amplos debates no cenário nacional e existem resistências por parte de vários segmentos.

O aumento crescente da desigualdade social no mundo na última década, coroado por um estrago monstruoso feito nas contas de todos os países pelos gastos bilionários de socorro à pandemia do coronavírus, é o responsável por reaquecer o assunto tabu, tanto no Brasil quanto no mundo.

Em 2020 e 2021 reapareceu uma pauta antiga da política brasileira: a tributação das grandes fortunas. Isso se deu em razão da crise econômica causada pela Covid-19, que evidenciou as desigualdades sociais e aumentou a pobreza no país. Porém, na contramão disso, as notícias davam conta de que a fortuna dos bilionários brasileiros cresceu US$ 34 bi na pandemia. Ou seja, duas situações absolutamente antagônicas e desproporcionais. Mas, fazer o que?

Para lidar com esse cenário, uma das propostas fiscais para “distribuir a conta da crise econômica” foi a da criação do imposto sobre as grandes fortunas. Mas como efetivar essa ideia ou colocar em prática essa proposta, se países como França e Alemanha começaram e depois desistiram de implantar o tal imposto?

No Brasil, o Imposto sobre Grandes Fortunas, que chamaremos de IGF, está previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição da República, valendo considerar que essa medida constitucional não está ainda regulamentada nem instituída.

Em tese, o referido imposto seria cobrado sobre aqueles patrimônios considerados grandes fortunas, ou seja, seria estabelecida uma alíquota (percentual) que definiria em quanto o patrimônio deveria ser tributado. No entanto, antes disso faz-se necessário saber como medir as grandes fortunas, uma vez que há controvérsia do que sejam e de como se enquadrem esses grandes patrimônios.

O certo é que se trata de um imposto que somente uma parcela da população com uma renda muito alta pagaria. Dessa forma, não teria impacto sobre a maioria dos cidadãos brasileiros. Ou seja, o IGF incidiria sobre 0,1% da população, que tem a maior renda do país, e a tributação recairia sobre seus ativos e, de antemão, estabeleceria regras mais rígidas contra a sonegação do imposto.

Vale observar que, quando falamos sobre taxar grandes fortunas, não estamos nos referindo aos cidadãos que têm uma casa própria e um carro, mas aos cidadãos que são considerados os mais ricos do país (0,1% da população). E vale observar também que essa tributação não tornaria os mais ricos menos ricos, uma vez que isso pouco lhes afetaria, mas poderia tornar menos aflitiva a vida dos mais pobres, especialmente quando se pensa em políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade social.

Todavia, como eu disse anteriormente, o debate a respeito do IGF é complicado e carregado de opiniões sobre o sucesso ou não dessa política tributária. O principal ponto contra o IGF trata-se da fuga de capitais, que ocorre quando os contribuintes de um país levam seu capital para outro país, ou seja, levam seus patrimônios, seus investimentos e seu dinheiro para o exterior.

Essa fuga não é boa para o país nem para ninguém. Mas há quem discorde e ache que a Receita Federal poderia, sim, fiscalizar e evitar a evasão fiscal, mesmo porque o número de contribuintes muito ricos (0,1% da população) não é tão grande e seria perfeitamente controlável pelo fisco federal. A tecnologia atual permite esse controle fiscal.

Mas viriam novamente as perguntas: os investimentos desses muito ricos seriam mantidos aqui ou seriam desviados para países onde não se cobra o IGF?; essa medida intervencionista do governo não afugentaria novos investidores e não afastaria os grandes empreendedores?

As dificuldades são reais e batem de frente. Os riscos são grandes sob os aspectos das fugas generalizadas de empresas, de capitais, de investimentos, de dinheiro. Já por outro lado, a reclamação fica por conta da enorme desigualdade social vigente e cada vez mais presente na vida dos brasileiros. Como resolver essa questão?

A maioria das pessoas entende que o IGF poderia ser um instrumento de redução das desigualdades sociais e capaz de realizar justiça tributária e social no Brasil, além de ser um imposto que a arrecadação reverteria para a saúde, a educação, a infraestrutura, os programas de incentivo ao emprego, a capacitação técnica laboral, e para as políticas de combate à pobreza.

Vejamos como o IGF foi ou vem sendo aplicado em outros países:

Argentina - O IGF foi introduzido na Argentina em 1974. O imposto, que é federal, passou por diversas mudanças ao longo dos anos. O tributo foi sendo reduzido desde a chegada ao poder do empresário Maurício Macri, crítico da cobrança. Anteriormente, a cobrança era de até 1,25% para patrimônios brutos que excedessem 305 mil pesos argentinos. Neste ano, passa a valer a cobrança de 0,25% sobre o patrimônio bruto que superar 1,050 milhão de pesos argentinos (cerca de R$ 170 mil). Atualmente, o imposto representa cerca de 0,3% do PIB.

Noruega e Suíça - Nesses dois países europeus, o imposto sobre fortuna é descentralizado, sendo arrecadado pelos governos regionais e cobrado apenas de pessoas físicas (ou seja, as empresas não são taxadas). Na Noruega, o imposto está presente desde a década de 1960 e as alíquotas para os cidadãos que possuem mais que 1,48 milhão de coroas norueguesas (aproximadamente R$ 1 milhão) são de 0,7%. Por ano, a arrecadação do tributo representa 0,5% do PIB do país e recai sobre cerca de 15 mil contribuintes, num país de 5,4 milhões de habitantes. Já na Suíça, as alíquotas são progressivas e variam de 0,3% a 1%, com limite de isenção de 180 mil euros. Segundo dados divulgados, não oficiais, o IGF atinge cerca de 1,2% do PIB.

França - No país, a alíquota vai de 0,5% a 1,5% para cidadãos com patrimônio líquido acima de 1,3 milhão de euros. Além disso, há uma faixa mínima de progressão de até 10 milhões de euros (aproximadamente R$ 55 milhões), a partir da qual a alíquota é sempre de 1,5%. E ainda há uma regra que impede que a cobrança do imposto exceda 75% da renda individual declarada. Desde 2018, no governo de Macron, o IGF passou a incidir apenas sobre imóveis.

Alemanha – Este é um país que, por muito tempo, cobrou o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Entretanto, em 1997, o governo considerou os resultados da tributação pouco atraentes e decidiu encerrar a cobrança. Atualmente, o país conta apenas com o Imposto de Renda, assim como acontece no Brasil.

Uruguai – A tributação está em vigor há 31 anos e o IGF é cobrado tanto de pessoas quanto de empresas, com um limite de bens e ativos financeiros de até 113 mil euros. As alíquotas são progressivas, variando de 0,5% a 1,5% e, para o caso de empresas, a alíquota pode chegar a 2,8%. A receita representa cerca de 1% do PIB do país.

Colômbia – O IGF foi introduzido em 2002 e reformulado em 2014. As alíquotas variam de 0,125% a 1,5% e sobre um valor de patrimônio que excede mais de 266 mil euros. A arrecadação representa cerca de 0,65% do PIB.

Itália - Estabeleceu o IGF recentemente, incidindo sobre a riqueza financeira dos cidadãos italianos no exterior. O limite da isenção é de 5 mil euros, com uma alíquota única de 0,2%.

Bélgica - Introduziu um pequeno imposto de 0,15% sobre o patrimônio financeiro dos cidadãos do país, o qual incide em fortunas a partir de 500 mil euros.

Holanda – Neste país as alíquotas são progressivas, variando de 0,2% a 1,68%, e a faixa de isenção é de 30 mil euros. Segundo dados oficiais, esse imposto arrecada 0,6% do PIB do país.

Como visto, na prática a arrecadação não é tão grande como se imagina na teoria. O pior caso é o do Brasil, que não arrecada absolutamente nada, haja vista não existir a regulamentação do artigo constitucional para que a taxação do IGF possa ocorrer.

Tem-se a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) também chegou a prometer que colocaria em pauta uma ação levada à Corte em 2019, acusando o Congresso de omissão por nunca ter levado adiante a regulamentação do IGF que a Constituição exige. O julgamento chegou a ser cogitado para certa pauta do plenário, mas foi adiado sem nenhuma previsão de nova data. Ou seja, até o STF, com todo seu ativismo judicial e político dos últimos tempos, não enfrenta a questão de frente nem apresenta um caminho legal para o imbróglio.

Ao meu sentir, talvez fosse interessante fazer um teste, posto que, em geral, os países que adotam o IGF arrecadam de 0,4% a 0,65% do PIB. Embora não seja um colosso, pode ajudar nas conquistas de políticas públicas mais adequadas e eficientes para os mais pobres. Custa tentar? Cabe ao Congresso sair da inércia e propor esse debate com a sociedade, em vez de engavetar mais um projeto e esperar mais 10 ou 20 anos. Legislar é preciso!

Ficou claro que até na pandemia os muito ricos ficaram ainda mais ricos e os bilhões acrescidos foram noticiados no Brasil e no mundo. Ou seja, em plena recessão mundial, os muito ricos não perderam nada e ainda somaram bilhões aos seus patrimônios. E a resposta a esse fato é o reaparecimento do debate sobre o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que saiu do sono intenso em que estava e voltou com fôlego em vários lugares do mundo. Os governos gastaram muito com a pandemia e a discussão sobre como financiar todo esse endividamento obviamente veio junto com a ideia de criar, reformular ou retornar com o IGF. Isso porque alguns países ainda não têm o IGF, outros têm e querem reformular e outros mais tinham e pretendem retornar com o imposto.

A ideia em muitos países é a de tributar os multimilionários, de forma que estes possam contribuir de alguma forma para a cobertura do rombo deixado pelos gastos com a Covid-19. Mas, como fica a temática de não intervenção estatal, sob pena de fuga de capital se acontecer?

Ao meu sentir (segunda hipótese), poderia ser interessante debater sobre a possibilidade de um imposto temporário, que fosse cobrado dos contribuintes muito ricos uma única vez, parceladamente, mas de forma a evitar a emigração ou a fuga de capitais. Isso, depois de o Congresso exercer seu papel constitucional e começar a legislar a favor do povo e do país.

Em suma, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) não é para muitos, mas para aqueles que estão no 0,1% da população de maior renda, os mais ricos e tidos como multimilionários. E o freio internacional para que isso possa acontecer é todos os países possuírem uma legislação de taxação das grandes fortunas, não abrindo brechas para emigrar ou transferir capitais, uma vez que todos os países agiriam em sintonia e criariam o imposto, sem chances de empresas ou pessoas correrem para este ou aquele paraíso fiscal.

A rigor e por fim, reitero que, no caso concreto do Brasil, o processo deve se dar dentro da legalidade e nos termos da Constituição da República, com a regulamentação do dispositivo constitucional pertinente. Legislar é preciso! “E vale observar também que essa tributação não tornaria os mais ricos menos ricos, uma vez que isso pouco lhes afetaria, mas poderia tornar menos aflitiva a vida dos mais pobres, especialmente quando se pensa em políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade social”.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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